Apatia da camaradagem

15 de outubro de 2023 1 Por Leandro Marçal

Gosto de dar nome às coisas. Me sinto angustiado quando preciso explicar um sentimento, uma situação, um pensamento, mas tenho que gastar muita saliva para desenvolver minha ideia. Se tenho uma palavra para sintetizar ou uma expressão para resumir, fico mais tranquilo. Dando nome às coisas, consigo esmiuçar com mais detalhes o significado de seja lá o que for.

Quando dou de cara com termos curtos e explicativos, respiro aliviado. “É isso”, digo mentalmente, como se repetisse um “eureca!”. Parece que encontrei um tesouro, mesmo sem um mapa às mãos. Tive essa sensação semanas atrás, enquanto ouvia o podcast de literatura 30 minutos, mais especificamente no episódio sobre o livro Era só um presente para o meu irmão. Cecília Marcon, uma da apresentadoras, usou a expressão “apatia da camaradagem” para ilustrar um comportamento masculino bem comum: passar pano, se calar e/ou não intervir quando o “parça” faz merda.

Mesmo que seja merda das grandes. Mesmo que a merda feita cause traumas a outras pessoas. Mesmo que a merda seja crime. O silêncio parece um lugar quentinho e confortável. Para que arrumar confusão, para que causar discórdia, se é mais fácil entrar por um ouvido e sair pelo outro, se é mais fácil fechar os olhos? Por que me posicionar e me desgastar?

Não se posicionar já é em si um posicionamento. Ouvindo esse episódio, pensei nas vezes em que escolhi ficar na minha, mesmo diante do absurdo. Ainda que tivesse a reprovação estampada no meu rosto, na minha linguagem corporal, nos meus olhos cansados. Lembrei quando preferi evitar faíscas em amizades, colocando-as acima de valores e princípios. Me perguntava: de que vale entrar num conflito desnecessário? Às vezes, pode valer uma vida.

E assim, mesmo sem essa intenção, consenti. Fui cúmplice. Do camarada botando chifres e mais chifres na namorada. Do amigo aplicando golpes financeiros em gente desavisada. Do querido capaz de pisar na cabeça de quem fosse em benefício próprio. Do cretino sempre cretino, mas até então sem cretinices contra mim.

Ao ler a descrição do livro discutido no episódio, você pode até pensar que o exemplo da Cecília para ilustrar a apatia da camaradagem é um evento extremo. Mas muitos gatilhos são puxados antes de se puxar o gatilho definitivo. Lavar as mãos diante do absurdo não impede que elas também se sujem de sangue. Se calar diante de um escândalo ecoa o som da concordância.

Nem sempre existe espaço para o livre posicionamento, é verdade. Mas hoje, quando fico quieto, não é mais por respeito ao vínculo. Apatia da camaradagem. Vou guardar essa expressão. E vou usar essa expressão. Para ser sincero, desde que ouvi pela primeira vez, já usei umas boas vezes essa (para mim) nova expressão.