Ansiedade climática

2 de outubro de 2023 1 Por Leandro Marçal

Ansiedade climática é um medo crônico dos impactos do colapso ambiental. Também chamada de ecoansiedade, causa crises nas pessoas conscientes de que o futuro já começou. Insônia e outros sintomas são a consequência das notícias e informações científicas sobre o aquecimento global e seus efeitos. Existem casos de profundo desinteresse em alimentar perspectivas de vida. Se o cérebro tem ligação direta com os intestinos, o clima interfere na nossa saúde mental.

Tem gente que se incomoda com essas novas especificações. Ansiedade é ansiedade e ponto, dizem. Tem gente que resiste ao novo. Sou a favor de dar nome às coisas. Quanto mais detalhes, maiores os entendimentos. Ansiedade é ansiedade, mas a exógena tem características diferentes da endógena. Uma aparece por motivos determinados e talvez visíveis, a outra brota do nada, sem explicações, simplesmente surge e atormenta. Deixar de falar em ansiedade climática e racismo ambiental não tem o poder de eliminá-los.

No pico da pandemia, vivi a ansiedade “covídica”. Senti o meu coração palpitando a cada atualização dos números de mortes e contaminações e internações. Vendo o negacionismo nosso de cada dia, não conseguia me desligar das notícias. Se tudo na vida tem um preço, paguei caro. E se vivemos numa sociedade doente, ser saudável é subjetivo demais.

A ansiedade climática paralisa tanto quanto a ansiedade convencional. Entrar no niilismo cínico do “vamos todos morrer mesmo” é um caminho fácil para manter tudo como está, repetindo os clichês de que a humanidade não tem jeito, somos todos terríveis e o melhor é a extinção da espécie. Mas quando o desespero vence, não fazemos nada. Ficamos congelados e sem reação, esperando o meteoro cair, encantados com o visual colorido e mortal. E essa apatia não elimina sofrimentos.

Uns dizem que não temos nenhuma responsabilidade individual. Outros se culpam por não conseguirem fazer nada útil, dando chibatadas nas próprias costas pelas próximas gerações. Daqui e dali, o perigo da despolitização dá as caras. A ecoansiedade é como o elefante na sala, impedindo-nos de atravessar a porta e olhar o mundo lá fora, onde estão as políticas públicas necessárias para os novíssimos tempos.

Rasgar o resultado do exame não elimina a doença. E para um paciente em tratamento, não é legal passar o resto dos dias apenas ruminando a enfermidade. Veremos enchentes e catástrofes, calores e tempestades. Não tem jeito. O jeito é se informar e se politizar por mudanças em grande escala, pautando o assunto no debate diário, lembrando que não existem soluções fora da política.

Não faz muito tempo, um amigo me ligou preocupado. Ex-negacionista da saúde mental, relatava seus recentes problemas com ansiedade e depressão, perguntando se existia uma solução imediata. Respondi que era preciso rever hábitos, se manter firme na medicação e na terapia, refletir sobre conceitos, olhar para dentro de si, buscar um estilo de vida menos corrido e consumista, quem sabe até modificando parte significativa da alimentação.

Ressaltei que não existe uma cura assim, mágica, repentina, de uma hora para outra, como a chave que gira para abrir a porta, como um produto comprado no supermercado. Reduzir danos, restabelecer planos, viver um dia depois do outro, ciente das recaídas e tropeços causados por caminhos errados do passado, indo até onde der. Só depois pensei nos múltiplos sentidos dessa minha fala inspirada.

Testemunhar a emergência climática não nos impede de sonhar, imaginar, sorrir, chorar, namorar. Viver. Mesmo quando o futuro dá medo, mesmo quando lutamos contra o negacionismo nosso de cada dia. Mesmo quando esse trecho de Ensaio Sobre a Cegueira, livro do português José Saramago, também apresenta múltiplos sentidos: “O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos.”