A ressurreição das pegadinhas
Quando recebo vídeos de pegadinhas, me pergunto: em que ano estamos? Autointitulado humorístico e supostamente engraçado, o formato existe desde muito antes dos meus cabelos caírem. Com uma narração meio inconveniente de fundo, o público da televisão aberta ria das vítimas de sustos, sacanagens, incomodações e todo tipo de armação.
E bota armação nisso! Que atire a primeira pedra quem nunca topou com uma “denúncia”: é tudo combinado, são atores em começo de carreira, tem um grande esquema para a gravação render e dar aquela enganada marota no telespectador.
Emissoras de baixa audiência e pouco orçamento tinham horas e mais horas dedicadas às pegadinhas na programação. Os mais viciados em televisão desconfiavam dos mesmos atores e atrizes zoando pedestres e criando armadilhas esdrúxulas. Não tem como, é impossível tanta gente ser feita de otária e autorizar essa exposição ao ridículo. Assistir pegadinhas nunca foi sinal de bom gosto, precisamos admitir. Mas se uns fingiam que as pegadinhas eram reais, outros queriam acreditar para rir sem culpa.
Eis que a essa altura da história da humanidade, com a enxurrada diária de fake news e notícias desinteressantes nas redes sociais, uma nova era das pegadinhas dá à luz subcelebridades digitais com nova roupagem. Uns até são da velha guarda e já tiveram emprego nas emissoras de baixa audiência e pouco orçamento. Inventam bordões meio bobos para provocar pedestres e carregam milhares de seguidores no caos do YouTube e do Instagram.
Outros preferem o jeitão clássico, de esculhambar gente desavisada, em muitos casos usando trocadilhos e até piadinhas de cunho discriminatório. Quando dá certo, ganha-se espaço nas emissoras tradicionais ‒ aquelas que tanta gente insiste em dizer que estão à beira da morte ‒ e pingam contratos publicitários para estrelar propagandas supostamente divertidas, mantendo o mesmo estilo de pretenso humor.
Conheço quem jure de pés juntos que as pegadinhas na internet são engraçadas. “Não, não tem nada de armação. Pegadinhas armadas eram aquelas antigas, nas emissoras de baixa audiência e pouco orçamento. Na internet? Acha que um negócio desses vingaria se não fosse de verdade? Para de ser chato, vai”, já fui obrigado a ouvir.
Nessas horas, eu até poderia responder com um “calma, calabreso”. E ouviria risadas do público ao redor, captando a referência aparentemente espirituosa, como se estivesse piscando para uma câmera escondida.
Fico surpreso com a ressurreição das pegadinhas, se é que elas tinham morrido. Quando recebo esses vídeos supostamente engraçados, olho para os lados, procuro câmeras ou microfones e sou capaz de ouvir um apresentador rindo da minha cara. Só pode ser armação.