A árvore no meio do caminho
Minhas corridas (quase) diárias seguem o mesmo percurso. Ando pouco mais de 100 metros para aquecer, atravesso a linha do VLT e cruzo uma avenida até chegar à ruazinha pequena. Começo a atividade física, viro à esquerda, pego a primeira à direita e sigo pisando no asfalto.
Em poucos metros, olho para a calçada que divide a avenida e me deparo com uma árvore gigantesca. Passo em frente à igreja frequentada por minha mãe aos domingos, terças e algumas sextas-feiras e lembro a homilia tão comentada por ela. Se você não teve uma formação católica, saiba que a homilia é o famigerado sermão, os 15, 20 ou mais minutos em que os padres dissertam sobre as leituras de dentro e os desafios de fora da igreja.
Naquela manhã dominical, o padre pediu aos fiéis que, ao saírem dali, olhassem para o lado esquerdo. A árvore mais bonita da cidade sobrevivia, alimentada pelo rio que passa por baixo dela, motivo de tantos alagamentos nas chuvas fortes a poucas quadras de casa. Com uma linguagem acessível aos católicos de diversas idades e formações, o padre, bem idoso, costuma dizer que ninguém conhece tanto a história do município quanto ele. Seus discursos costumam virar assunto nos almoços em família. Ele era capaz de passar horas dissertando sobre a árvore que ninguém dava a devida atenção.
E eu não tinha parado para admirar o tamanho – em diversos sentidos – daquela árvore. O tronco impossível de se abraçar, a vida brilhando enquanto ela me me observa. Na ida e na volta. Quando dou os primeiros passos, sinto como se os galhos se mexessem no ar, feito braços me incentivando a seguir em frente, a não desistir. Na volta, imagino seus aplausos, me dando forças para chegar aos últimos metros do exercício que me tira do sedentarismo e alivia minha saúde mental.
A árvore é o ponto de chegada, quando a corrida vira caminhada, semelhante à que aquece minhas pernas antes de ser envolvido por doses cavalares de serotonina e dopamina. Penso na oportunidade de chegar a uma velhice admirada, como a da árvore. Um monumento à cidade, poucas vezes reparado pelos que dirigem carros poluindo as ruas. Talvez, se uma forte tempestade a levasse ao chão, interrompendo o trânsito, motoristas pouco sensíveis reclamariam de sua existência.
Mas a árvore no meio do caminho é forte, de um jeito que nunca serei. Resta olhar para ela, na ida e na volta, para me sentir muito mais que um (quase) atleta (quase) amador. Sua energia me alimenta, como o rio passando por baixo a faz ter destaque na avenida.