Sou um careca arrogante
Nas fotos da primeira infância, meu cabelo chama atenção. Mais que o castanho-claro dos olhos arredondados, mais que as bochechas grandes de apertar, os cachinhos dourados viram assunto na boca de quem me conhece como um careca convicto.
Quando eu tinha bem poucos anos, quis cortar na maquininha. Igual ao Ronaldinho, o Fenômeno. Minha mãe não curtiu a ideia, tinha medo de “estragar” o cabelo. Para o meu pai, pura bobagem, deixa o moleque. E assim, passei a máquina zero, e a um, e a dois, da infância à adolescência. Em casa ou no barbeiro ‒ porque diziam que homem não vai ao cabeleireiro ‒, vendo de perto que quem tem salão também tem ciúmes.
Os primeiros sinais da calvície chegaram pouco depois dos 21. Uma batalha perdida, como aquela disputada contra o sono. A genética é inescapável. Meu avô materno era calvo, meu pai viu os primeiros fios caírem aos trinta e pouquinhos. Senti uma estranha indignação, uma esquisita saudade dos cachinhos dourados. Apelei ao Minoxidil e à Finasterida por pouco mais de um ano. Meu cabelo cresceu, cuidei, registrei os últimos suspiros em poucas fotos.
Cansei e me rendi. Se não podes com o inimigo, junta-te a ele. Desencanei. Adotei a carequice definitivamente. Toda semana, passo a máquina zero e a lâmina de barbear. Deixo o cocuruto lustroso. A testa brilha, quase infinita. Se falho no ritual, a marca do desmatamento capilar me incomoda visualmente. Adotei a barba como recurso para mudar o visual. É o que tenho.
Na internet, o adjetivo “calvo” flutua entre piada boba e xingamento ofensivo a gente insegura. Pura bobagem. Mas me chame de careca, não calvo. Sou careca sem orgulho. Porque não preciso de esforço. Mas ser careca me faz arrogante.
Cabelos diferentes, coloridos, elaborados, estrambólicos, divertidos e cheios de nomes ‒ que nunca sei o significado ‒ me despertam um vergonhoso sentimento de superioridade. Penso na minha economia de tempo: não preciso de muitos cuidados capilares. No máximo, xampu anticaspa, porque os picos de ansiedade dão sinais na pele. Beleza, o protetor solar é importante nesse latifúndio chamado cabeça. Mas é diferente, convenhamos.
E as histórias de quem pagou dezenas de milhares de reais num implante capilar? Acho graça, dou um sorriso espiritual. Quanta insegurança e vaidade, o diabinho diz. Do outro lado, o anjinho faz questão de lembrar: carecas também exigem cuidado. Um caroço a mais ou uma falha grosseira causam constrangimento. Melhor baixar a bola e me esforçar para ser mais humilde.
Não é fácil, confesso. Quem ri da minha careca, como se defeito fosse, mal sabe os pensamentos sujos e vexatórios sobre condicionadores, cremes e géis. Talvez a minha carequice seja sintoma de falha de caráter, vai saber. Aqueles cachinhos dourados da primeira infância eram um bom disfarce.