Na superfície
Ninguém fala de outra coisa. Nas redes sociais, nos grupos de WhatsApp, no café da manhã em família, nos pontos de ônibus, no escritório, na fila para o almoço, na fábrica, nas viagens de Uber. Todo mundo comenta o assunto do dia. Os canais noticiosos dedicam horas a mesas-redondas com sabor água de salsicha para destrinchar o tópico que monopolizou o debate público. Todo mundo espera uma brecha para vomitar opinião.
Me reservo o direito de ficar um tempinho calado. Me reservo o direito de não ser reativo, de não ser imediatista. Paro, leio, me aprofundo para entender melhor. Se for um assunto que não domino, tento dedicar ainda mais tempo a esse estudo. Se não puder fazer isso, fico quieto no meu canto. Diz o ditado: quem fala demais, dá bom dia a cavalo.
Quando me perguntam sobre o assunto do dia e é um tema que domino, chego a mandar áudios extensos, explicando o contexto, me aprofundando, citando antecedentes e consequências, sem me apegar a frases prontas e generalizadoras. Nunca dei aula na vida, mas desconfio que adoto um tom professoral nessas horas.
Dia após dia, procuro fugir da gritaria nas redes sociais. Lá, qualquer imbecil se sente confortável para simular um superconhecimento. Lá, qualquer idiota legitima opiniões sem argumentos (porque opinião não é argumento!). Respeito demais o impopular aprofundamento, tão carente de curtidas e engajamento.
Muitos especialistas repetem que estamos mais distraídos. Antes de nos apressarmos para criticar “essa nova geração”, sejamos sinceros: tem gente de todas as idades viciadíssima em arrastar os dedos nas telas para cima e para baixo, sedenta por compartilhar com o mundinho de seguidores o que pensa sobre o assunto do dia. Não é raro ver parentes constrangidos pelas barbaridades expostas por gente querida nas linhas do tempo digitais.
Ninguém tem a obrigação de saber tudo. Tenho pavor a pessoas cheias de certezas e vazias de dúvidas. Ainda me espanto ao topar com quem se dispõe a “analisar” todo e qualquer tema relevante para a sociedade sem o mínimo de embasamento.
Três vezes por semana, acordo bem cedo para nadar. Vou muito bem, obrigado, batendo as pernas e girando os braços, deslizando ao respirar do jeito certo. Meu desempenho melhorou bastante no último ano, mas ainda tenho dificuldades nas séries de mergulho. Com meu déficit de coordenação motora, mal consigo ficar lá no fundo.
Na água, vou melhor na superfície do que mergulhando. Ainda bem que o mundo não é uma piscina.