Um estranho no quintal
Numa segunda-feira como hoje, acordei cedo para nadar. Como de costume, desci as escadas do sobrado onde moro para limpar as sujeiras dos gatos e da cachorra, antes de tomar café da manhã e me preparar psicologicamente para o exercício matinal. Gabriela, a latidora idosa, continuou dormindo. Os felinos Laurinha e Scar me seguiram, me rodearam, se inquietaram e me inquietaram. Estranhei.
Abri a janela de vidro presa à porta da sala e não encontrei o Pretinho dormindo. O gato de rua vem pelo telhado do vizinho, se equilibra nos muros baixos, bebe água e come ração deixada em potinhos, cochila numa caixa de papelão e vai embora quando quer.
Tempo bom, sem chuva. Olhei as plantas decorando o quintal descoberto, notei o piso branco castigado pelo tempo e me assustei com o estranho dormindo entre a torneira e o vaso preto abrigando folhas de babosa. Encolhido, de camisa e bermuda, boné torto, tatuagens cobrindo panturrilhas e canelas, da minha faixa etária, com uma pequena bolsa preta a seu lado. Magro, muito magro.
E eu, tão atento aos problemas sociais jogando mais e mais pessoas para a situação de rua, tão avesso ao uso da violência para acabar com a violência, tão do diálogo, fiquei paralisado.
Fechei a janela, dei a volta na sala, passei pelo corredor, voltei à cozinha e da janela maior confirmei: no canto do quintal, tinha um desconhecido; tinha um desconhecido no canto do quintal. Dormindo, encolhido. Pensei em acordar a casa, recuei. Pensei na possibilidade dele ter uma faca ou mesmo uma arma de fogo, nunca se sabe. Precisava respirar.
Fiz café, cortei uma fatia de pão caseiro, passei um pouco mais de margarina e sentei na cadeira. Os gatos me encaravam. Ouvi um barulho, era o estranho pulando o muro, indo embora. Talvez eu não seja muito silencioso.
Mais tranquilo por me livrar do conflito que não aconteceu, topei com o mesmo estranho do quintal ao sair para a academia. Não muito longe: agora dormia na calçada de casa, deitado embaixo da marquise da imobiliária. Na volta, outro encontro inesperado: agora, o mesmo desconhecido se encolhia numa calçada mais distante, a três quadras de onde moro, no muro de uma autoescola conhecida do bairro. Dormindo, sempre dormindo.
Antes de começar o expediente laboral, checamos a câmera de segurança: duas e pouco da madrugada, o estranho aparecia correndo, fugindo de três ou quatro caras e viu abrigo pulando no quintal. Se aconchegou em silêncio perto da torneira e cochilou.
Poderia ter feito bobagem com desconhecidos na rua. Poderia estar embriagado ou entorpecido. Parecia largado à própria sorte, como tantos e tantas por aí, sem assistência social nem perspectiva de futuro.
No cantinho do quintal, tinha um estranho. Tinha um estranho dormindo no quintal.