Terapia em dia
Li essa expressão pela primeira vez numa publicação de Instagram. Era uma postagem banal e descartável (era uma publicação de Instagram). Tinha lá sua graça, convenhamos. “Terapia em dia” como sinônimo de não descuidar da saúde mental, de buscar ajuda profissional contra ansiedades típicas do nosso tempo. Deu para entender o jogo de palavras, não sou um homem literal.
Li essa expressão pela segunda vez num desses aplicativos, você sabe quais. Era requisito básico, como um item na lista de compras. Sem a “terapia em dia”, não serve.
Não lembro onde li essa expressão pela terceira vez. Vale o mesmo para a quarta, a quinta e a quingentésima. Caiu no gosto supostamente popular, virou banal nos papos de certa gente bem conectada. Perdeu a pretensa graça, virou desserviço.
Tive alta da psicoterapia no ano passado. Foi a minha quarta imersão nas sessões de autoconhecimento para lidar com as minhas questões. Para mim, funciona desse jeito. Conheço gente que há décadas, toda semana, vai a sessões com profissionais dedicados a cuidar da minha, da sua, da nossa saúde mental. Gente que precisa, e que funciona melhor desse outro jeito.
Quando cruzo com um “terapia em dia” por aí, penso numa lista de tarefas, em metas, em resultados, em performance. Nada a ver com a complexidade das ansiedades típicas do nosso tempo. Como se a balela da “terapia em dia” fosse nos livrar de gente sem caráter e da dificuldade de ser humano.
Exigir ou se orgulhar da pretensa “terapia em dia” também me lembra televisão. Sou viciado em televisão. Preciso me disciplinar para não passar o dia inteiro na frente da televisão. Como trabalho de casa, passo o expediente com a televisão ligada, diante dos meus olhos. É mais forte que eu, não quero lutar contra o meu vício em televisão. Não atrapalha a minha vida (ainda, eu acho). Enfim, não existe “terapia em dia” para abaixar o volume das vozes internas, mudar o canal do pânico e da ansiedade ou programar para nos desligar nos momentos de crise. E se a analogia foi ridícula, é porque sou um cara ridículo.
Em todos os cantos, fala-se em processo. Que é preciso confiar no processo. Que o imediatismo da vida digital nos impede de enxergar o avanço de cada processo, cujos resultados não têm a velocidade dos likes e cliques. Com o perdão do clichê, até que faz sentido. Estar bem de saúde mental é também um processo. Individual, pode levar tempo, tem dinâmicas bem específicas de acordo com cada contexto, tem idas e vindas, dias bons e dias ruins. E dias péssimos. E dias ótimos. Sem solução imediata. Às vezes, precisamos até mudar de rumo, de abordagem, de profissional.
A terapia só está em dia quando a mente descansa debaixo da terra, quando não existe mais saúde mental nem física para tratar.
Terapia em dia como? Em curso, talvez.